Os biscainhos foram os artistas que o arcebispo D. Diogo de Sousa
chamou para a cidade de Braga no início do século XVI, para reedificarem, sob
os exuberantes cânones do tardo-gótico, a cabeceira da Sé Primaz. Instalados em
uma das novas artérias mandadas abrir pelo prelado na zona exterior às
muralhas, acabariam por baptizar aquela rua até à posteridade.
Um dos edifícios mais célebres que ali havia de surgir, a partir do
século XVII, foi o palacete barroco de Constantino Ribeiro do Lago, onde viriam
a trabalhar eminentes artistas como Manuel Furtado de Mendonça, Manuel
Fernandes da Silva ou André Soares.
Adquirido pela Junta Distrital de Braga, em 1963, a Gaspar Lobo Machado
do Amaral Cardoso de Menezes, 3.º Visconde do Paço de Nespereira, com a
pretensão de aí instalar um Museu de Etnografia e História, haveria de abrir as
portas a 11 de fevereiro de 1978, reformulando o seu programa como um museu que
procurava recriar uma casa senhorial minhota do período barroco. Tendo-se
tornado progressivamente num dos espaços culturais mais relevantes da cidade de
Braga, o Museu dos Biscainhos seria integrado na Rede Portuguesa de Museus,
estando a sua gestão confiada à Direção Regional de Cultura do Norte.
Como é do conhecimento público, a partir do próximo dia 1 de janeiro de
2024, a Direcção-Geral do Património Cultural vai dar lugar a duas entidades
distintas: o instituto público Património Cultural, com sede no Porto, e a
empresa pública Museus e Monumentos de Portugal, com sede em Lisboa, ambos com
obrigação de cumprimento de eficiência económica.
A proposta de diploma legal que procede à criação da empresa Museus
Monumentos de Portugal, lista um conjunto de museus e monumentos, estabelecendo
que “a continuidade territorial deste conjunto de museus, monumentos e palácios
representativos da excecional relevância patrimonial da herança cultural”,
justificando a integração, sob a sua tutela, apenas dos museus “com coleções
nacionais e de referência internacional, assim como os palácios e os monumentos
nacionais e património da humanidade”.
Os museus tutelados pelas Direções Regionais de Cultura, que sejam
considerados fora deste critério, passarão para a tutela dos respetivos
municípios. Este é o caso do Museu D. Diogo de Sousa e do Museu dos Biscainhos,
daqui se deduzindo que estas instituições bracarenses não são representativas da
“excecional relevância patrimonial da herança cultural, que é fundamento da
memória coletiva e fator de identidade nacional”. Entretanto, no passado
dia 24 de julho, a Câmara Municipal de Braga aprovou, por unanimidade, uma
moção contra a desclassificação dos museus D. Diogo de Sousa e dos Biscainhos,
numa reação que surge tardiamente, com o processo em fase de execução.
No âmbito desta reorganização, um grupo de cidadãos promoveu a petição
«Em defesa do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa», na qual apela ao
Ministério da Cultura que reverta a decisão de passar o museu para a gestão
municipal. Esta iniciativa, de louvável pretensão, contou com um suporte
alargado na população bracarense, além do suporte generalizado dos diversos agentes
políticos da cidade, que fizeram questão de aparecer ao lado desta causa de
eminente interesse público. No entanto, esse espírito voluntarista de defesa da
“res publica” olvidaria o Museu dos Biscainhos.
Este esquecimento convoca-nos para a necessidade de erguer a voz em
defesa do Museu dos Biscainhos, uma instituição fundamental nas dinâmicas
culturais e turísticas da cidade de Braga, que se encontra instalado num dos
seus edifícios de maior relevância patrimonial do período barroco, no qual
trabalharam alguns dos mais célebres artífices deste período, além de exibir um
dos mais relevantes jardins barrocos do nosso país.
Afinal, quem defende o Museu dos Biscainhos de um processo de
municipalização, que poderá menorizar sobremaneira a sua missão, particularmente
numa edilidade que tem atualmente os seus três espaços culturais (Museu da
Imagem, Casa dos Crivos e Torre de Menagem) encerrados para a realização de
obras, cuja execução é continuamente protelada. Estará a Câmara Municipal de
Braga, capacitada para gerir o destino de instituições culturais com a valia do
Museu dos Biscainhos?
Curiosamente o Museu que ninguém parece querer defender atingiu, no ano
de 2022, o número de 57 mil visitantes, o que representa um novo máximo
histórico, ultrapassando, curiosamente, os números do Museu que todos querem
defender…
Rui Ferreira
Presidente da Direção da Braga Mais
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