terça-feira, 12 de setembro de 2023

+ CIDADANIA: Quem defende os Biscainhos?



Os biscainhos foram os artistas que o arcebispo D. Diogo de Sousa chamou para a cidade de Braga no início do século XVI, para reedificarem, sob os exuberantes cânones do tardo-gótico, a cabeceira da Sé Primaz. Instalados em uma das novas artérias mandadas abrir pelo prelado na zona exterior às muralhas, acabariam por baptizar aquela rua até à posteridade.

Um dos edifícios mais célebres que ali havia de surgir, a partir do século XVII, foi o palacete barroco de Constantino Ribeiro do Lago, onde viriam a trabalhar eminentes artistas como Manuel Furtado de Mendonça, Manuel Fernandes da Silva ou André Soares.

Adquirido pela Junta Distrital de Braga, em 1963, a Gaspar Lobo Machado do Amaral Cardoso de Menezes, 3.º Visconde do Paço de Nespereira, com a pretensão de aí instalar um Museu de Etnografia e História, haveria de abrir as portas a 11 de fevereiro de 1978, reformulando o seu programa como um museu que procurava recriar uma casa senhorial minhota do período barroco. Tendo-se tornado progressivamente num dos espaços culturais mais relevantes da cidade de Braga, o Museu dos Biscainhos seria integrado na Rede Portuguesa de Museus, estando a sua gestão confiada à Direção Regional de Cultura do Norte.

Como é do conhecimento público, a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2024, a Direcção-Geral do Património Cultural vai dar lugar a duas entidades distintas: o instituto público Património Cultural, com sede no Porto, e a empresa pública Museus e Monumentos de Portugal, com sede em Lisboa, ambos com obrigação de cumprimento de eficiência económica.

A proposta de diploma legal que procede à criação da empresa Museus Monumentos de Portugal, lista um conjunto de museus e monumentos, estabelecendo que “a continuidade territorial deste conjunto de museus, monumentos e palácios representativos da excecional relevância patrimonial da herança cultural”, justificando a integração, sob a sua tutela, apenas dos museus “com coleções nacionais e de referência internacional, assim como os palácios e os monumentos nacionais e património da humanidade”.

Os museus tutelados pelas Direções Regionais de Cultura, que sejam considerados fora deste critério, passarão para a tutela dos respetivos municípios. Este é o caso do Museu D. Diogo de Sousa e do Museu dos Biscainhos, daqui se deduzindo que estas instituições bracarenses não são representativas da “excecional relevância patrimonial da herança cultural, que é fundamento da memória coletiva e fator de identidade nacional”. Entretanto, no passado dia 24 de julho, a Câmara Municipal de Braga aprovou, por unanimidade, uma moção contra a desclassificação dos museus D. Diogo de Sousa e dos Biscainhos, numa reação que surge tardiamente, com o processo em fase de execução.

No âmbito desta reorganização, um grupo de cidadãos promoveu a petição «Em defesa do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa», na qual apela ao Ministério da Cultura que reverta a decisão de passar o museu para a gestão municipal. Esta iniciativa, de louvável pretensão, contou com um suporte alargado na população bracarense, além do suporte generalizado dos diversos agentes políticos da cidade, que fizeram questão de aparecer ao lado desta causa de eminente interesse público. No entanto, esse espírito voluntarista de defesa da “res publica” olvidaria o Museu dos Biscainhos.

Este esquecimento convoca-nos para a necessidade de erguer a voz em defesa do Museu dos Biscainhos, uma instituição fundamental nas dinâmicas culturais e turísticas da cidade de Braga, que se encontra instalado num dos seus edifícios de maior relevância patrimonial do período barroco, no qual trabalharam alguns dos mais célebres artífices deste período, além de exibir um dos mais relevantes jardins barrocos do nosso país.

Afinal, quem defende o Museu dos Biscainhos de um processo de municipalização, que poderá menorizar sobremaneira a sua missão, particularmente numa edilidade que tem atualmente os seus três espaços culturais (Museu da Imagem, Casa dos Crivos e Torre de Menagem) encerrados para a realização de obras, cuja execução é continuamente protelada. Estará a Câmara Municipal de Braga, capacitada para gerir o destino de instituições culturais com a valia do Museu dos Biscainhos?

Curiosamente o Museu que ninguém parece querer defender atingiu, no ano de 2022, o número de 57 mil visitantes, o que representa um novo máximo histórico, ultrapassando, curiosamente, os números do Museu que todos querem defender…

 

Rui Ferreira

Presidente da Direção da Braga Mais

Sem comentários:

Enviar um comentário