sábado, 29 de janeiro de 2022

+ CIDADANIA: O poder dos cidadãos

   


 O conceito de poder sempre suscitou diversas leituras ao longo da história. A sua eventual posse conduziu sucessivamente homens à loucura, exércitos ao infortúnio e povos ao desespero. Como referência conceptual, o poder é, por isso mesmo, encarado como uma realidade com existência própria, impregnada de significados, capaz de saciar o desejo de domínio presente nos anseios humanos.

O poder representa, para quem se convence da sua possessão, um meio para a subjugação de uma determinada comunidade aos seus impulsos e desejos, bem como mecanismo para a própria liberdade. Porém, a partir de Michel de Foucault a ontologia do poder vê alterado o seu estatuto. Uma das principais intuições presentes na obra “Microfísica do poder” é precisamente a ideia de que o poder não existe enquanto realidade. O que é efetivo e real são as relações de poder, não exclusivas de um restrito grupo de indivíduos, mas passíveis de ser exercidas por cada um dos intervenientes na teia social. O poder passa a ser entendido como repartido em diversos níveis de participação.

Invocar um nível molecular no exercício do poder é permitir que a sociedade se pense a si própria, conferindo aos cidadãos uma consciência da sua própria valia enquanto agentes de mudança. Desta forma, todos somos agentes de poder, embora cada um detenha níveis diferenciados de participação. Esta conceção do papel dos cidadãos nas sociedades abre as portas a um universo de possibilidades outrora vedado aos indivíduos. Já não estamos diante de um diletantismo identitário e moral, mas caminhamos para uma consciência mais evidente da forma como se estabelecem as redes sociais numa determinada comunidade.

O advento das democracias na Europa na segunda metade do século XX permitiu uma noção mais categorizada das possibilidades e direitos individuais. A fragmentação social que as nossas sociedades vão exibindo, exige a emergência de objetivos comuns capazes de congregar os indivíduos. A solução para este enclave em que as sociedades ocidentais entroncaram seria "uma vigorosa vida democrática, comprometida com um projeto destinado a refazer a unidade" (Taylor, 1994). Uma renovação das democracias poderia, então, ser uma solução viável para este problema.

Continuamos imersos numa história pontilhada de lutas e conflitos que vão determinando as relações de poder que coexistem nas sociedades, porém a forma como as abordamos jamais repete esquemas do passado. Quer isto dizer que as formas tradicionais de exercício do poder desapareceram com o advento das democracias? Obviamente que não, mas ao tomarmos consciência do nosso efetivo poder na comunidade em que nos integramos, somos mais capazes de entender a relevância de exercermos esse mesmo poder.

Se as democracias se deparam com uma crise sem precedentes na história, a sua perturbação pode funcionar como mecanismo de resolução para a apatia e desinteresse dos cidadãos em face das instituições detentoras do reconhecimento do poder. Afinal, e ao contrário do senso comum, “o poder não está localizado no aparelho do Estado” (Foucault, 2001) mas localiza-se a um nível mais elementar, ou seja, em cada um de nós. Se a esse nível se manifestar um desejo de transformação da ordem até então em vigor, a sociedade terá necessariamente que se alterar. Por isso mesmo, quando os cidadãos rejeitam a ataraxia e decidem exercer o poder que efetivamente detêm, podem ir provocando a mudança na sociedade.

A intervenção ativa dos indivíduos na comunidade, pese as pressões sempre subsistentes, é uma técnica efetiva do exercício do poder, da parte dos que habitualmente parecem arredados dele. Neste âmbito invocamos um dos movimentos fundamentais apontados como solução para a crise das democracias: a cidadania. Até que ponto a intervenção dos cidadãos na vida da polis, seja individualmente ou em grupo, pode condicionar o rumo da comunidade em que se inserem? Até que ponto a consciência deste nível elementar do poder não tem sido decisiva para a criação das novas dinâmicas sociais?

Conscientes da nossa inevitável participação na sociedade, na qual somos também chamados a exercitar o poder, jamais poderemos ficar em casa num dia em que somos chamados a fazer uma escolha. Independentemente da maior ou menor identificação com as propostas ou com os seus protagonistas, não deixemos de nos manifestar. Com convicção ou sem ela, em branco ou nulo, não permitamos que o poder que nos é especialmente concedido seja desperdiçado ou colocado em causa. Por isso mesmo, este domingo vamos todos votar!

 

Rui Ferreira

Presidente da Direção da Braga Mais

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