O conceito de poder sempre suscitou diversas leituras ao longo da história. A sua eventual posse conduziu sucessivamente homens à loucura, exércitos ao infortúnio e povos ao desespero. Como referência conceptual, o poder é, por isso mesmo, encarado como uma realidade com existência própria, impregnada de significados, capaz de saciar o desejo de domínio presente nos anseios humanos.
O poder representa, para quem
se convence da sua possessão, um meio para a subjugação de uma determinada
comunidade aos seus impulsos e desejos, bem como mecanismo para a própria
liberdade. Porém, a partir de Michel de Foucault a ontologia do poder vê
alterado o seu estatuto. Uma das principais intuições presentes na obra “Microfísica
do poder” é precisamente a ideia de que o poder não existe enquanto realidade.
O que é efetivo e real são as relações de poder, não exclusivas de um restrito
grupo de indivíduos, mas passíveis de ser exercidas por cada um dos
intervenientes na teia social. O poder passa a ser entendido como repartido em
diversos níveis de participação.
Invocar um nível molecular no
exercício do poder é permitir que a sociedade se pense a si própria, conferindo
aos cidadãos uma consciência da sua própria valia enquanto agentes de mudança. Desta
forma, todos somos agentes de poder, embora cada um detenha níveis
diferenciados de participação. Esta conceção do papel dos cidadãos nas
sociedades abre as portas a um universo de possibilidades outrora vedado aos
indivíduos. Já não estamos diante de um diletantismo identitário e moral, mas
caminhamos para uma consciência mais evidente da forma como se estabelecem as
redes sociais numa determinada comunidade.
O advento das democracias na
Europa na segunda metade do século XX permitiu uma noção mais categorizada das
possibilidades e direitos individuais. A fragmentação social que as nossas
sociedades vão exibindo, exige a emergência de objetivos comuns capazes de
congregar os indivíduos. A solução para este enclave em que as sociedades
ocidentais entroncaram seria "uma vigorosa vida democrática, comprometida
com um projeto destinado a refazer a unidade" (Taylor, 1994). Uma
renovação das democracias poderia, então, ser uma solução viável para este
problema.
Continuamos imersos numa
história pontilhada de lutas e conflitos que vão determinando as relações de
poder que coexistem nas sociedades, porém a forma como as abordamos jamais
repete esquemas do passado. Quer isto dizer que as formas tradicionais de
exercício do poder desapareceram com o advento das democracias? Obviamente que
não, mas ao tomarmos consciência do nosso efetivo poder na comunidade em que
nos integramos, somos mais capazes de entender a relevância de exercermos esse
mesmo poder.
Se as democracias se deparam
com uma crise sem precedentes na história, a sua perturbação pode funcionar
como mecanismo de resolução para a apatia e desinteresse dos cidadãos em face
das instituições detentoras do reconhecimento do poder. Afinal, e ao contrário
do senso comum, “o poder não está localizado no aparelho do Estado” (Foucault,
2001) mas localiza-se a um nível mais elementar, ou seja, em cada um de nós. Se
a esse nível se manifestar um desejo de transformação da ordem até então em
vigor, a sociedade terá necessariamente que se alterar. Por isso mesmo, quando
os cidadãos rejeitam a ataraxia e decidem exercer o poder que efetivamente
detêm, podem ir provocando a mudança na sociedade.
A intervenção ativa dos
indivíduos na comunidade, pese as pressões sempre subsistentes, é uma técnica
efetiva do exercício do poder, da parte dos que habitualmente parecem arredados
dele. Neste âmbito invocamos um dos movimentos fundamentais apontados como
solução para a crise das democracias: a cidadania. Até que ponto a intervenção
dos cidadãos na vida da polis, seja individualmente ou em grupo, pode
condicionar o rumo da comunidade em que se inserem? Até que ponto a consciência
deste nível elementar do poder não tem sido decisiva para a criação das novas
dinâmicas sociais?
Conscientes da nossa inevitável
participação na sociedade, na qual somos também chamados a exercitar o poder,
jamais poderemos ficar em casa num dia em que somos chamados a fazer uma
escolha. Independentemente da maior ou menor identificação com as propostas ou
com os seus protagonistas, não deixemos de nos manifestar. Com convicção ou sem
ela, em branco ou nulo, não permitamos que o poder que nos é especialmente
concedido seja desperdiçado ou colocado em causa. Por isso mesmo, este domingo vamos
todos votar!
Rui Ferreira
Presidente da Direção da Braga Mais
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