As comunidades humanas não se esgotam nos limites pré-determinados
pelas suas fronteiras geográficas. A sua existência não provém do território e
da sua circunscrição. É, sim, uma construção histórica das sucessivas ocupações
promovidas por homens e mulheres que, nesse espaço físico, viveram e se
concretizaram.
Braga, como lugar da história, muito fica a dever àqueles que a
edificaram ao longo de séculos, mesmo provenientes de outras paragens, mas
também a todos os que – natos ou adotados - levantaram bem alto o seu nome. Um
dos casos mais paradigmáticos deste último grupo é Joaquim Victor Baptista Gomes de Sá, um dos mais ilustres
bracarenses do século XX.
Filho de uma professora
primária e um militar, nasceu a 14 de outubro de 1921 na freguesia barcelense de Cambeses, tendo
cedo migrado para a cidade de Braga, onde se implantou para sempre.
Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas em Coimbra, em 1959, acabaria
por doutorar-se, em 1969, na Universidade da Sorbonne, em Paris.
Nesta cidade, pela qual se apaixonou, dedicou vastos anos da sua
existência à Cultura e à Liberdade. Por isso mesmo, no dia 6 de novembro de
2014, a Braga Mais teve oportunidade de recordar Victor de Sá numa das
primeiras sessões do seu ciclo de "Memórias de Braga", que se
propõe partilhar e construir memórias sobre a cidade.
Victor de Sá foi livreiro, escritor,
historiador, professor nas Universidades do Porto e do Minho, e até diretor do
Correio do Minho, no entanto, foi muito mais do que isso. Inquieto promotor da
liberdade, num tempo em que era especialmente limitada, foi um arauto do livre
pensamento e da dignidade humana.
Resistente antifascista, Victor de Sá foi preso em sete ocasiões, tendo
participado ativamente na campanha de Humberto Delgado às eleições
presidenciais de 1958 e também nos Congressos da Oposição Democrática
realizados em 1969 e 1973 em Aveiro. Candidato a Braga pela Oposição
Democrática em 1961, depois do 25 de Abril foi deputado na Assembleia da
Républica eleito pelo Partido Comunista Português.
Os livros, contudo, foram o mais genuíno traço da sua personalidade.
Começando como colaborador da modesta Livraria Gualdino Correia, alguns
anos depois fundou uma Biblioteca Móvel, projeto inovador que permitia um
democrático acesso aos livros a todos os que pretendiam ler e não tinham essa
possibilidade.
Em 1947 fundou a Livraria Victor na rua dos Capelistas, instalada em
edifício hoje desaparecido. Esta livraria foi um autêntico espaço de cultura e
pensamento, não se conformando com os grilhões impostos pelo regime vigente.
Por isso mesmo, foi alvo de diversos inquéritos e apreensões pela PIDE e até
encerramentos temporários. Apesar disso, Victor de Sá resistiu e persistiu.
A mais significativa dívida de Braga para consigo será mesmo esta.
Victor de Sá faz-nos perceber como uma livraria pode mudar uma comunidade.
Mantê-la viva e acordada. E bem sabemos que numa cidade onde abundam livrarias,
superabunda a cultura. Por isso mesmo, memorar Victor de Sá é, não apenas
prestar homenagem à personalidade e ao seu legado, mas sublinhar a singular
relevância da Cultura numa comunidade. Apesar disso, numa cidade que
afirma o seu anseio por ser Capital Europeia da Cultura, continuamos a exibir
um restrito número de livrarias.
Victor de Sá viria a falecer na sua cidade de Braga a 31 de dezembro de
2003, tendo deixado um legado que, ainda hoje, perdura.
No próximo dia 14 de outubro assinala-se o centenário do seu nascimento
e, associando-se a esta efeméride, a Braga Mais irá promover a apresentação de
um livro que reúne uma seleção de textos de Victor de Sá, compilados
criteriosamente por Fernando Mendes, seu antigo funcionário e dinâmico
dirigente da nossa associação. A apresentação pública do livro “À Ponta do
Lápis – Escritos Juvenis” deverá ocorrer na última semana de outubro e todos os
bracarenses estão especialmente convidados a participar.
Que Braga saiba sempre recordar e reconhecer aqueles que a tornaram
efetivamente maior!
Rui Ferreira
Presidente da Direção da Braga Mais
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