sábado, 14 de setembro de 2024

+ CIDADANIA: A Cruz das Convertidas

 

Hoje, dia 14 de setembro, os cristãos celebram a festa da exaltação da Santa Cruz e este texto até poderia debruçar-se sobre essa coincidência temporal. No entanto, o nosso objetivo é abordar a cruz das Convertidas, não entendendo necessariamente “cruz” como sinónimo de “calvário”, “tormento” ou “martírio”, mas até poderia ser.

O Recolhimento de Santa Maria Madalena e São Gonçalo, mais conhecido como “Convertidas”, instituição de cariz assistencial fundada pelo Arcebispo D. Rodrigo de Moura Telles em 1722 sobre uma antiga ermida dedicada aos santos Bartolomeu e Gonçalo, continua o seu calvário, degradando-se progressivamente e sem qualquer solução para o seu futuro em perspetiva.

Tutelado pelo Ministério da Administração Interna, o edifício seria classificado como Monumento de Interesse Público em 2012. Apesar disso, a Câmara Municipal de Braga, com a complacência da Direção Regional de Cultura do Norte, haveria de permitir a construção de uma unidade hoteleira, com uma volumetria muito questionável num quarteirão do centro histórico, que implicou uma violenta operação urbanística, com a consequente implosão de um subsolo altamente granítico e da extração contínua de terra. A entrada e saída dos veículos pesados foi efetuada paredes meias com o monumento, sem conhecermos exatamente que efeitos terá tido sobre o seu estado de conservação.

Sim, a cruz das Convertidas bem poderia referir-se aos tormentos a que este Monumento de Interesse Público tem estado sujeito, particularmente enquanto decorreu a realização do empreendimento levado a efeito nos terrenos contíguos. No entanto, a cruz a que pretendemos aludir é o crucifixo de pedra que encimava parede nascente do edifício, que corresponde precisamente ao limite do seu templo.

Como iniciativa arcebispal, o Recolhimento das Convertidas era assinalado pela chamada cruz dobrada, um crucifixo com duas travessas, possuindo um braço menor acima do maior, ambos mais próximos do topo que da base, que é uma insígnia reservada aos Arcebispos ou Patriarcas.

Por algum motivo - certamente não associado à suavidade e correção do processo urbanístico vizinho… - a cruz caiu ou foi derrubada. Em sua substituição foi lá colocada uma réplica, que infelizmente não replica a versão original, dado tratar-se de uma cruz simples e não da cruz arcebispal que lá se encontrava. Certamente um acontecimento desconhecido da maioria dos bracarenses, inclusive os amantes do seu património cultural.   

A errónea e descuidada substituição do crucifixo é profundamente reveladora do zelo e diligência com que a entidade promotora do empreendimento da unidade hoteleira tratou o edifício do Recolhimento das Convertidas durante todo o processo de obra. Este desacertado câmbio é também um sintoma muito evidente da apatia e negligência das entidades públicas a quem compete a vigilância e acompanhamento de uma obra realizada no centro histórico de uma cidade com a relevância histórica e patrimonial de Braga, em particular quando a mesma decorreu na área especial de proteção de um monumento classificado…

Por isso mesmo, é imperativo e urgente a realização de um diagnóstico do estado de conservação do Recolhimento das Convertidas após esta violenta intervenção urbanística, que jamais deveria ter sido permitida na zona especial de proteção de um monumento classificado. Esse relatório deve tentar apurar os danos provocados sobre a sua estrutura edificada, que já se encontrava especialmente deteriorada, e que poderá ter acelerado o processo de devastação em que o edifício se encontra desde que foi desocupado em 1999.

O Recolhimento das Convertidas afirma-se como um monumento singular no contexto do património cultural barroco da cidade de Braga, conservando características que tornam imperativa a sua reabilitação e salvaguarda.  

Essa responsabilidade recai particularmente na sua entidade tutelar, o Ministério da Administração Interna, mas também na Câmara Municipal de Braga, zeladora putativa dos interesses da comunidade, mas também na sociedade civil, que não pode deixar-se tomar pela letargia provocada por manobras de distração ou ruídos institucionais.  

 

 

Rui Ferreira

Presidente da Direção da Braga Mais

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