Nas últimas semanas de 2024, os bracarenses foram surpreendidos com o encerramento de mais uma livraria. A Livraria Oswaldo Sá, herdeira da grande Livraria Victor, fechou definitivamente as portas. Como refere o escritor britânico Neil Gaiman, “o que é uma cidade sem uma livraria? Pode até chamar-se de cidade mas, se não tiver uma livraria, sabe que não engana nenhuma alma”. Efetivamente, uma cidade onde as livrarias vão progressivamente fechando as portas é uma cidade sem tempo, desprovida de pensamento, sem alma.
Ao longo do último século e meio, Braga foi muito pródiga em livrarias que, por motivos diversos, deixaram de existir. Memoramos as desaparecidas Livraria Cruz, Livraria Gualdino Correia, Livraria Pax, Livraria Casa do Globo, Livraria Victor, Livraria Augusto Costa, Livraria Central, Livraria Académica, Livraria Nova Cultura, Livraria Palha, Livraria Íris, Livraria Braga Books ou a Livraria Sameiro, entre outras.
Muitas destas livrarias, além de fomentarem o gosto pela leitura e permitirem o acesso aos livros que se iam publicando, deram um contributo incalculável como editoras. Alguns livreiros, como José Moreira ou Victor de Sá, fizeram-nos perceber como uma livraria pode mudar uma cidade. Mantê-la viva e acordada. E bem sabemos que numa cidade onde abundam livrarias, superabunda o pensamento e o espírito crítico.
Uma livraria não pode ser vista apenas como um estabelecimento comercial, onde o objetivo final é o lucro. Uma livraria é um espaço privilegiado de cultura, onde adquirimos oportunidades para o conhecimento. Se no restaurante ou na pastelaria podemos saciar o nosso apetite, as livrarias possibilitam-nos saciar a nossa curiosidade e matar a nossa sede por saber mais.
As livrarias bracarenses que foram desaparecendo cumpriam plenamente essa missão. Por isso, é tão lastimoso o seu desaparecimento. A Livraria Casa do Globo, a Livraria Gualdino, a Livraria Victor, a Livraria Pax ou a Livraria Cruz não eram meros estabelecimentos comerciais. Eram editoras, papelarias, algumas, até, tipografias. Eram autênticos centros culturais, onde se promoviam livros, autores, formas de pensar.
Braga mais que duplicou a sua população nas últimas sete décadas, estando atualmente no limiar dos 200 mil habitantes. Não deixa de ser surpreendente que, na década de 1950, o ratio, ou a proporção, de livrarias relativamente à população era substancialmente superior ao atual.
São cada vez menos as livrarias bracarenses. Com o encerramento da Livraria Oswaldo Sá, resta a Livraria Bracara, a Livraria Minho e a Livraria Centésima Página. Isto se excluirmos as livrarias vinculadas aos grandes grupos económicos ou aquelas que se encontram vinculadas às temáticas da espiritualidade, especialização que ainda vai vigorando na nossa cidade, como são o caso da Livraria Diário do Minho, Livraria do Apostolado da Oração, Livraria Senda ou da Livraria Ebenézer.
Quando sucessivamente os responsáveis políticos, e também a sociedade civil, vão apontando a Cultura como uma prioridade, torna-se incompreensível aceitar o número decrescente de livrarias generalistas de iniciativa local, particularmente quando o mercado livreiro se encontra em franco crescimento.
Segundo os dados da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), em 2023, o mercado livreiro português representou 187 milhões de euros, com um aumento de 7% nas vendas face ao ano anterior. Registou-se também um incremento na percentagem de portugueses que compraram livros, passando de 62% para 65%.
Desde que a Livraria Pax fechou as portas em 1995, ou que a Livraria Cruz foi aglutinada por uma grande cadeia em 1996, só episodicamente fomos vencendo a ataraxia que tomou conta do setor livreiro bracarense. O venturoso surgimento da Livraria Centésima Página é a rara exceção de um cenário desolador, onde vimos soçobrar efémeros projetos como a Livraria Braga Books, a Livraria Nova Cultura ou a Livraria Fundamentos.
Uma cidade que se pretende afirmar do ponto de vista cultural não pode exibir uma tão gritante ausência de dinâmica livreira. Talvez seja esse um dos motivos que sentenciou a Feira do Livro de Braga, após mais de uma década de instabilidade organizativa.
Perante este cenário, urge que as instituições civis, académicas e, no singular caso de Braga, também as eclesiásticas, tentem inverter esta tendência, incrementando o apoio à iniciativa editorial e desenvolvendo planos de ação e iniciativas concretas que valorizem o livro e, consequentemente, a missão dos livreiros bracarenses.
Resta-nos desejar longa vida às livrarias bracarenses.
Rui Ferreira
Presidente da Direção da Braga Mais
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